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O MOVIMENTO PENTECOSTAL E SEUS EMBATES CONTRA A CULTURA ESCRAVOCRATA DA CRISTANDADE OCIDENTAL

Por Marco Sousa


“E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas, e profetizavam” - Atos 19:5-6

1 - A FERRAMENTA DE DEUS CONTRA O RACISMO

As potências coloniais europeias proibiram a escravidão, começando pela Grã-Bretanha em 1833. Nos Estados Unidos, a escravidão foi abolida em 1865 com a ratificação da 13ª Emenda à Constituição. Infelizmente, os preconceitos raciais alimentados e reforçados pela escravidão permaneceram generalizados. Novas leis e costumes foram estabelecidos em muitas partes do mundo com o objetivo de manter a separação racial e preservar a vantagem social, econômica e política de pessoas com ascendência europeia. Nos EUA em 1870, as famosas leis de Jim Crow promoviam a segregação racial dos serviços públicos e impediam os negros de se casarem fora de sua raça. Infelizmente, as igrejas protestantes americanas também eram racistas, inclusive as reformadas, que criam na predestinação dos indivíduos à miséria ou à fortuna, como também criam que os indivíduos estariam predestinados por Deus a estarem em um lado bom ou ruim da sociedade. Assim a igreja permitia e defendia o racismo por estar firmada em uma teologia equivocada. A sociedade permitia o racismo por estar firmada em princípios jurídicos equivocados. O famoso princípio jurídico do “separados, mas iguais” somente foi derrubado nas décadas de 1950 e 1960, pela suprema corte americana, após o movimento de luta pelos direitos civis liderado pelo pastornegro Martin Luther King.

Dentro das igrejas alcançadas pelo poder que operou na rua Azuza, o movimento pentecostal foi um bálsamo, que trouxe refrigério para a alma da sociedade, mas também restaurou a dignidade dos cristãos, atribuindo aos homens o valor de serem vasos de honra à disposição do grande oleiro, independentemente da cor de sua pele. Antes daquele glorioso derramar do Espirito Santo, os negros viam o culto pela janela e não podiam adentrar o espaço reservado aos brancos, mas quando o Espírito Santo desceu sobre os arraiais, tanto negros, quanto brancos e mulheres foram revestidos com o poder do alto e profetizaram da parte de Deus e as profecias se cumpriram a olho nu. Curas e libertações também aconteceram. Pessoas vieram do mundo inteiro para ver e foram também tocadas por aquele poder, que acabou se espalhando pelo mundo.

No Brasil Deus repetiu o modus operandi usado por ELE na América em 1906. Na primeira metade do século XX, o racismo era bastante acentuado na sociedade brasileira. As igrejas tradicionais eram elitizadas e jamais iam aos becos e valados, conforme o texto sagrado ordena que se faça. Esta tarefa foi executada apenas mais tarde e com maestria pelos pentecostais, os quais (literalmente) desbravaram o país, alcançando para o reino de Cristo povos de todas as etnias brasileiras. Por volta de 1910, (quando os pioneiros Gunnar Vingren e Daniel Berg chegaram no Brasil) e também nas décadas seguintes, as igrejas tradicionais manifestaram enorme desprezo pelo movimento pentecostal. O movimento dava voz às mulheres, aos pobres, aos negros e aos menos favorecidos, do mesmo modo que o Espirito Santo era derramado sobre aqueles que eram desprezados por uma elite eclesiástica, cujo domínio sobre as almas estava se encerrando, por causa da própria providencia divina.

2 - A VERGONHOSA IDEOLOGIA QUE MOVIA OS ANTIPENTECOSTAIS NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Na primeira metade do século XX a teologia equivocada de alguns arraiais tradicionais mundo afora ainda advogava que Deus havia predestinado algumas raças de homens para a escravatura. Infelizmente ainda hoje muitos crentes correm atrás deste tipo de teologia, cujos criadores e muitos praticantes haverão de comparecer diante de Deus com as mãos sujas do sangue de seus irmãos, por usarem tal teologia como pretexto para atacar e dizimar vilas e povoados de povos não alcançados pelo evangelho, fazendo deles seus escravos. Algumas igrejas históricas possuíam escravos em seu serviço cotidiano, para vergonha do evangelho. No Brasil a república foi proclamada por homens que queriam uma vingança real contra a monarquia, que acabara de libertar os escravos, e estes queriam mantê-los. Muitos daqueles que estavam dentro das igrejas históricas brasileiras em 1910, haviam libertado seus escravos duas décadas antes, não por vontade própria, mas por imposição da lei (lei áurea 1888). Outros eram filhos ou netos de donos de escravos e sabiam que a perda da mão de obra gratuita havia gerado prejuízos para a tecelagem, para a agricultura e outras atividades que dependiam de muito trabalho braçal e portanto guardavam certo rançodaqueles que outrora foram seus serviçais, tratados simplesmente como animais de carga. O pentecostalismo clássico chegou ao brasil para apontar a estas almas perdidas, outrora escravizadas pelos homens e por Satanás, o único caminho (Cristo) que conduz o pecador, cujos grilhões se quebraram, ao lar celestial. O pentecostalismo brasileiro destruiu o racismo que imperava nas igrejas protestantes brasileiras... Bendito seja o nome do Senhor!


(Clique na imagem acima para ampliá-la) - Mulheres e adolescentes fazem protesto contra a “integração” (ato de colocar alunos negros e brancos no mesmo ambiente) na escola elementar William Franz, em 15 de novembro de 1960. O cartaz no canto direito diz: "Tudo que eu quero ganhar neste Natal é uma escola branca e limpa". Note que as gentis senhoras cristãs que iam à escola dominical eram racistas e seus pastores praticavam uma teologia inadequada, que separava o “joio” do “trigo” e os “não eleitos” dos “eleitos”. Esta situação se parece muito com a soberba teológica de alguns pregadores midiáticos da atualidade, como também se parece com o exclusivismo religioso que vemos em algumas denominações brasileiras.

3 - O CICLO DA BORRACHA E O FOGO DO AVIVAMENTO

O texto sagrado afirma que “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” - Romanos 8:28. Os pentecostais desbravaram o interior do Brasil levando o evangelho a cada rincão deste país de dimensões continentais. Embora a obra de Deus já estivesse estabelecida em muitas regiões litorâneas do nordeste, as duas ocorrências do ciclo da borracha na região norte do país, na primeira metade do século XX, impulsionaram a propagação do evangelho no interior do país bem como a constituição de novas igrejas. O ciclo da borracha atraiu trabalhadores de todo o Brasil, principalmente do nordeste para o trabalho nos seringais da região amazônica e dentre eles os novos crentes pentecostais, que também buscavam melhores oportunidades profissionais. Nas terras do norte eles empenharam a sua força de trabalho, mas deixaram a igreja estabelecida a cada povoado que habitavam. Ao término do ciclo da borracha, muitos retornaram ou foram tentar a vida profissional em outras regiões do país, estabelecendo novos pontos de pregação nas outras regiões do país. Era o fogo santo se alastrando, e Deus cuidando do seu povo e ao mesmo tempo usando suas necessidades materiais de trabalho para espalhar o evangelho.

4 - CONVERSÕES GENUINAS E LARES TRANSFORMADOS

Milhares de almas perdidas começaram a contemplar o caminho do céu. Lares divididos eram restaurados e pecadores eram curados de seus vícios. Muitos pais de família, outrora presos no alcoolismo eram completamente libertos e o salário passava a ser investido em casa em prol da família. As famílias viam em casa a operação viva do Espírito Santo. O movimento pentecostal genuíno florescia em terras brasileiras, como uma arvore boa que gera frutos bons para a glória do reino de Deus.

5 - OS PROBLEMAS ATUAIS DO MUNDO PENTECOSTAL E A SOLUÇÃO BÍBLICA

Apesar do crescimento glorioso do pentecostalismo no Brasil, decorrente da voluntariedade e do engajamento de seus adeptos, que são, por natureza, amantes do evangelismo pessoal; nas últimas décadas as igrejas pentecostais brasileiras sofreram várias interferências internas e externas de agentes nocivos ao modo de vida em comunhão total com Deus e até desvios doutrinários, os quais geraram muitos dos problemas que hoje permeiam esta vertente protestante. Alguns estudiosos piedosos costumam afirmar que os problemas que hoje estão presentes no meio pentecostal, brotaram em um tempo em que os obreiros pentecostais possuíam total aversão à teologia e aos estudos sistemáticos. Felizmente este quadro mudou e muitos procuram de forma equilibrada fazer uso do conhecimento e da unção conferida por Deus. Vejamos os principais problemas e as respectivas soluções bíblicas para os mesmos:

1 - A entrada de certos modismos mundanos no ambiente de culto tem prejudicado a imagem e a credibilidade das igrejas.

2 - A entrada sorrateira de pregadores da teologia da prosperidade entre os pentecostais tem feito muitas igrejas perderem o pentecostalismo original.

3 - As meninices e as bobagens que causam escândalos perante os olhos de incrédulos ainda são praticadas por muitos crentes em pleno ambiente de culto. O textosagrado deixa claro que o culto a Deus deve ser ordeiro (1 Coríntios 14:26-39). As atitudes inadequadas de alguns crentes acabam criando confusão no ambiente eclesiástico e impedem a permanência de pessoas que não conseguem alcançar comunhão com Deus naquele ambiente.

4 -Apesar da operação viva e genuína do Espírito Santo no meio do povo de Deus e da atualidade dos dons espirituais, inclusive do dom de profecia, o falso profetismo tem sido um problema recorrente tanto no meio pentecostal, como nos demais meios continuístas. O discernimento de espíritos (um dos dons espirituais) e a prática do julgamento da profecia são de importância vital para que a igreja possa sanar o falso profetismo. Novamente a solução está no texto sagrado (1 Coríntios 14:29).

O nobre leitor deve ter notado que para cada problema acima apresentado, a Bíblia Sagrada apresenta uma solução plausível e aplicável. Cabe ao ministro do evangelho, ou pastor responsável, que queira ser biblicamente fiel, aplicá-las ao seu arraial, para fortalecimento e aperfeiçoamento do rebanho de Deus.

Felizmente os expoentes do pentecostalismo clássico brasileiro reconhecem os equívocos acima citados e trabalham arduamente para corrigir tais problemas, produzindo materiais didáticos relevantes, de alta qualidade e em conformidade com as sagradas escrituras. A revista de lições trimestrais da CPAD é um exemplo disto. Nos últimos anos, com a popularização da internet, surgiram blogs cristãos, grupos de estudos bíblicos nas redes sociais e outras ferramentas cristãs, melhorando consideravelmente o nível de conhecimento e sua aplicabilidade dentro das igrejas.

6 - SOLUÇÕES ADEQUADAS X SOLUÇÕES INADEQUADAS

Para resolver o problema dos falsos dons, alguns líderes evangélicos aderem ao cessacionismo, proíbem os dons espirituais dentro da igreja e convertem os crentes em zumbis espirituais. Outros pregam que somente a Bíblia é suficiente (sem a necessidade dos dons espirituais), ignorando que é a própria Bíblia Sagrada que garante a existência dos dons espirituais no meio da igreja, para sua edificação e consolação, até a volta de Cristo.

Outros lideres evangélicos apresentam certas soluções que atendem bem a comunidade local. Recentemente uma pequena denominação de Belo Horizonte retirou o termo “pentecostal” da placa da igreja (mas a comunidade local continua sendo pentecostal) visto que muitos crentes de outras denominações estavam acostumados a irem ao local para participar dos cultos, mas se comportavam de forma desordenada, extravagante e sem nenhuma reverência. Certa senhora que ali congrega confidenciou-me que os crentes mais simples ao verem o termo “pentecostal” na placa pensavam que deveriam gritar e praticar certos movimentos dentro do templo, para fazer jus ao “significado da placa”. Atualmente a igreja pratica um culto avivado, nos moldes pentecostais, faz uso dos dons espirituais, mas não pratica as extravagâncias e os exageros que assustam outros crentes e que impedem os incrédulos de se aproximarem da igreja. Note que a solução para esta igreja foi mudar a placa, ao invés de enxotar os visitantes. O pastor responsável considerou que para os leigos o termo “pentecostal” virou sinônimo de barulho, quando deveria ser somente sinônimo da operação gloriosa do Espirito Santo.

Cabe mencionar que a autocrítica em alguns ambientes eclesiásticos tem sido uma ferramenta fundamental para a melhoria dos ministérios e das igrejas, todavia existem comunidades evangélicas e denominações que não aceitam o diálogo construtivo entre os membros das igrejas e ministros subalternos com a liderança eclesiástica. Os membros das igrejas não podem questionar (biblicamente e respeitosamente), como os crentes de Beréia o fizeram (e foram elogiados por isto). Em tais ambientes o termo autocrítica é quase um palavrão. O chefe da denominação manda e todos obedecem, mesmo que tal ato de obediência seja um claro atropelamento das sagradas escrituras e das palavras de Jesus. A Bíblia Sagrada ordena que cada cristão examine-se a si mesmo (autocrítica) e que também faça um justo julgamento sobre os assuntos que lhe competem (I Coríntios 11:28-30 - João 7:24 – Lucas 12:57).

7 - O GRANDE LEGADO DO MOVIMENTO PENTECOSTAL BRASILEIRO

O legado do movimento pentecostal brasileiro pode ser visto claramente em muitos lares, na vida de algum amigo ou simplesmente, na vida de alguém que passa pela nossa vida por pouco tempo, mas carrega consigo as marcas de Cristo. O fato é que no Brasil atual sempre saberemos de alguém que foi alcançado por uma operação gloriosa do Senhor, na qual uma humilde igreja pentecostal, na beira da estrada ou em um simples bairro de periferia foi o palco da atuação do Todo-Poderoso, aquele ”cujos olhos percorrem toda a terra para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é reto para com ELE” - 2 Crônicas 16:9. Todos nós conhecemos alguém que outrora foi desenganado pelos médicos, mas está vivo por um milagre. Certamente conhecemos alguém cuja vida desregrada e ímpia foi totalmente modificada pela atuação do Espírito Santo. Quando a pessoa que alcançou algum tipo de graça da parte de Deus não está visível aos nossos olhos, nos lembramos que nós mesmos fomos alvos da graça transformadora e dos milagres que Deus ainda opera neste mundo de trevas. A nossa vida na presença Dele já é um grande milagre!

Glória ao Pai, Glória ao Filho e Glória ao Espirito Santo!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nota Importante: O Grupo de Estudos Bíblicos Doutrina Fiel utiliza as lições bíblicas da CPAD pelo fato da referida publicação trimestral zelar pela sã doutrina e apresentar base bíblica sólida em seus estudos sistemáticos. Cabe mencionar que as lições da CPAD têm sido uma das principais ferramentas de formação de crentes zelosos pela palavra de Deus em território brasileiro nos últimos 70 anos.

1 - Bíblia Sagrada - Edição Revista e Corrigida Fiel - João Ferreira de Almeida - 2011
2 - Revista “Lições Bíblicas CPAD” - Adultos - 1º Trimestre 2023
3 - David Brion Davis, InhumanBondage: The Rise and Fall of Slavery in the New World, New York: Editora da Universidade de Oxford, 2006.
4 - O Cristianismo pós-reforma protestante e a escravatura - https://www.doutrinafiel.com.br/p/o-cristianismo-pos-reforma-e-escravatura.html
5 - Considerações sobre a segregação racial nos Estados Unidos (EUA) - https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/consideracoes-sobre-a-segregacao-racial-nos-estados-unidos-eua